sábado, 22 de novembro de 2008

Desconhecidos Forever

A imagem que me vem à cabeça quando lembro-me dos primeiros anos escolares, é de uma imitação de Daniela Mercury que fiz durante o recreio. Nessa época, início dos anos 90, para nós, pobres crianças nordestinas, a diva baiana era mais palpável do que Madonna e Xuxa, musas das crianças dos grandes centros do Brasil. Daniela tinha cabelo crespo (hoje ela desfila com cabelos lisos, resultado de escova progressiva), pele morena e ainda não mascarava o “baianês”. Era o auge do “Axé Music” e eu ainda estava aprendendo a ler e escrever.
Outra lembrança que tenho desse tempo, é a carência de algo que me representasse na televisão. Filha única que sou, passava horas em frente ao aparelho colorido e mudava de canal a cada segundo, à procura de algo que me distraísse. Fardo que carreguei até conhecer o rosto daquele que tinha um sotaque parecido com o meu e cantava uma música engraçada, trilha da novela que a minha ex babá assistia. O mistério foi desvendado quando conheci Chico Science através de um videoclipe, onde ele e seus comparsas da Nação Zumbi apareciam sujos de lama e dentro do mangue.
Enquanto a Bahia enriquecia os bolsos das gravadoras, grupos musicais com dançarinas reboculosas surgiam como espirros. Pernambuco revelava para o mundo um novo movimento musical, que pregava um estilo de vida diferente dos até então conhecidos pelo “grande Brasil”, as bandas e artistas do meu pequeno estado, Sergipe, sofriam com os mesmos problemas dos tempos em quem meus pais eram jovens aspirantes a tropicalistas e sonhavam em tomar uma Coca Cola com Caetano.
Aracaju, nesse momento de transformação cultural, pariu bandas como Karne Krua, liderada por “Sílvio da Freedom”, famosa figura do meio musical local, que havia sido abandonado por seu parceiro baterista Helder Aragão, hoje o renomado DJ Dolores (um “old school” do Mangue Beat), SNOOZE, Maria Scombona, Plástico Lunar (até hoje com o mesmo repertório daquele tempo) e artistas como a cantora Patrícia Polyne (que começava a ganhar espaço em grandes festivais), traziam para a geração sofrida, fruto da New Wave e do Punk, um sopro de esperança.
Diferente do resto dos companheiros de região, os sergipanos dispensavam o regionalismo e a busca pela “sergipanidade”(esta procurada desde a época em que meu pai pensava em ser rock star. Ou seja, quando Caetano ainda morava em Santo Amaro da Purificação) era inconcebível. Todos queriam ter nascido na Califórnia e deslumbravam com a nóia de Kurt Kobain. Nada disso foi suficiente para os sons do pequenino estado atravessar fronteiras. Um disquinho aqui, um festivalzinho ali, mas nenhum Bum! Ninguém sendo perseguido por grupies e jornalistas.
Chico Science virou pó, o Mangue tomou novos rumos, eu já não mais curtia Daniela Mercury e o buraco continuava aberto. O tempo criativo estacionou e nenhuma das “promessas” chegou à MTV, quiçá ao Faustão (além da Calcinha Preta, é claro).
Coincidentemente, no início da minha adolescência, quando comecei a sair à noite e pude ver o que já ouvia no meu quarto, eis que surge a danada da esperança novamente. As bandas citadas anteriormente ressurgiram das cinzas com novos discos, ideologias, integrantes, cuecas e tudo o que tinham direito. O advento da internet deixou a divulgação mais rápida e barata. Também estavam disponíveis na cidade novos espaços para shows, como a Rua da Cultura. Mas ainda faltava alguma coisa.
Não lembro exatamente onde, nem quando, mas certo dia, quando o buraco já estava prestes a ceder, ouvi a perdida sergipanidade. Mascarada por samplers e batuques de todos os gêneros, vozes e gritos que combinavam destoando (sim, isso é possível). Um mix de Genival Lacerda, Tom Zé, Cartola e Talking Heads. A Naurêa. Iniciou-se então, uma movimentação na capital e no interior.
A Naurêa tornou-se a banda queridinha dos produtores, público e governo local, e virou chamariz para a apresentação de novas bandas que buscavam se firmar e gerou inveja naqueles que há décadas tentavam sair do buraco. Com uma “despretensão pretensiosa”, a Naurêa conseguiu fazer com que o público começasse a pagar para assistir a uma banda local sem fazer cara feia.
Participaram na cara dura de festivais dentro e fora do Brasil, sem baixar a cabeça e lavando somente coragem na bagagem. Até que as músicas do primeiro disco se esgotaram, as do segundo também e o “Sambaião” (mistura de Samba com Baião, ritmo que eles dizem ter inventado) deixou de ser exótico para os gringos e passou a se horripilante para nós. O buraco se abriu mais uma vez.
Mas como a explosão da Naurêa abriu os cabeções, logo a The Baggios, banda de São Cristóvão que mistura Blues e Rock, tomou-lhes a coroa. Os Baggios já existiam quando a Naurêa começou, mas só fizeram show em Aracaju no final de 2006. Estes realmente despretensiosos, saem por graça divina para estados vizinhos e sair à noite em Aracaju virou um replay. Graças a eles e ao Coverama, os sergipanos estão perdendo novamente o tesão pela novidade e fechando seus bolsos para estas. Se a novidade for local, então... Piorou!
Provavelmente, transito na direção errada. Sou a única que deseja ver um menino desses no Arquivo Confidencial do Faustão. A música produzida em Sergipe não é melhor nem pior do que a produzida no resto do Brasil. O seu problema é possuir um instinto auto sabotador, que satisfaz os músicos com showzinhos na Rua da Cultura e em bares sem palco.
Portanto, meninos, coragem! Tenham cara de pau, troquem informações com bandas de outros estados e trabalhem de qualquer coisa para bancar “aquela” turnê pelo Acre (nunca Combi 68, obviamente). Lembrem-se que a FUNCAJU não vai te bancar para sempre e Alexandre Hardman um dia se forma em Direito e o Coverama não passará de uma doce lembrança. Coragem! Ou seremos desconhecidos forever.
Maria Rosa Teles